Edições Antigas >> Edição n° 7 >> O Passarinho

Sem Asas ao Amanhecer..., livro de estréia de Luciana Scotti (O Nome da Rosa Editora, Fone (0XX11) 814-4894, 200 páginas, R$ 25,00) é um relato profundamente humano que nos leva a refletir sobre a paradoxal fragilidade e força da vida.

Trata-se da história real da autora, que aos 22 anos, no dia seguinte ao da morte de Ayrton Senna, sofreu um grave acidente vascular cerebral (AVC) seguido de trombose, que a deixou impossibilitada de falar e quase sem movimentos. Quando isso aconteceu, Luciana, farmacêutica formada pela USP, trabalhava no laboratório de uma multinacional. Cursava pós-graduação e pretendia continuar a carreira na Itália, terra de seu pai. Com uma beleza atestada pela foto da capa, a loura Luciana, bronzeada e de cabelos longos, era considerada a dona do corpo mais escultural dentre as freqüentadoras da piscina da Universidade.

Devido à trombose cerebral, passou quase dois meses entre a vida e a morte. Saindo do coma, ficou com importantes seqüelas e severas limitações que transformaram radicalmente seu físico e seu cotidiano, mas não sua inteligência.

Na forma de diário, alternado com trechos escritos pela jovem antes do acidente, o livro nos mostra, com muita coragem e sem retoques aparentes, um amplo painel dos mais básicos sentimentos humanos: esperança e inconformismo estão entre eles.

Luciana retrata com clareza a diferença entre seu "antes": namoros e sonhos de uma moça bonita e com o futuro pela frente; e o "depois": a dura luta pela sobrevivência, entre hospitais, cirurgias e tratamentos complexos, nem sempre recebendo compreensão e carinho fora da família.

Nas entrelinhas do livro, outra história de vontade e determinação: digitando vagarosamente as letras num computador, com escassos movimentos da mão esquerda, a autora foi capaz de, em três anos, concretizar seu projeto, assumido pela editora Tula Melo, e já na quinta edição.

Um dos principais méritos do livro é o alerta feito por Luciana sobre os riscos de trombose cerebral em mulheres jovens que associam, como ela fazia, anticoncepcionais e fumo, desde que tenham predisposição para isso.

Um paralelo inevitável é com o livro de estréia de Marcelo Rubens Paiva, que no autobiográfico Feliz Ano Velho, de 1979, narra sua adaptação à vida como tetraplégico após um acidente.

Resta a nós, leitores que aprendemos, nas páginas deste Sem Asas..., admirar a garra e a lucidez de Luciana Scotti e acompanhar a seqüência de sua história noutro volume, recém-lançado pela mesma Editora. Que seu talento ao contar sua própria história se estenda a outros gêneros como a ficção, a crônica ou a poesia. Que nessa nova carreira ela comprove ser capaz de alçar novos vôos, ainda mais altos, independente da condição de suas asas.

Sergio Amaral Silva - MTb 20.489