A
existência da violência não é somente aquela praticada
nas ruas, nos assaltos, em brigas e demais outras
circunstâncias que, com certeza qualquer cidadão
já viveu, seja como vítima ou até mesmo como mero
espectador.
Vamos
pensar a violência que ocorre do lado de dentro
da janela, protegida por nossas paredes e pela
cumplicidade existente entre os laços familiares.
A
violência oprime, instiga o medo, promove o abandono,
tortura psicologicamente, controla a liberdade
do comportamento e da conduta. E tudo isso vem
acontecendo dentro de casa. Daí a reflexão: E
a família vai bem?
As
pessoas que possuem convivência diária como é
o caso em uma família parecem ser capazes de gerar
um grau de tensão tal em função de conflitos,
frustações e insatisfações particulares, que acabam
por contaminar o grupo, promovendo gestos, atos
e situações violentas.
Um
vínculo conjugal a princípio se forma com um único
propósito que é o de promover o crescimento das
pessoas envolvidas. Quando um lar se torna uma
espécie de fórum de julgamento é sinal de que
algo nao vai bem. Quando pessoas são cobradas
a se comportarem como se estivessem numa empresa,
algo de inadequado há nisso. Algo está faltando
e pessoas estão deixando de fazer o que deveria
ser feito.
A
violência entre uma casal também é algo que merece
atenção haja visto casos que nós psicólogos e
demais profissionais tomamos conhecimento, como
tortura mental, psicológica, sexual, física, financeira
e até mesmo da expressão de afetos de forma agressiva
e deturpada, estabelecida entre parâmetros de
poder e força, como se houvesse a necessidade
da existência das figuras do superior e do inferior,
do forte e do fraco.
Os
registros internos de uma pessoa oriundos de uma
convivência familiar agressiva, onde ela foi negligenciada
e depreciada (sem os cuidados e atenção necessários)
formam o que chamamos de uma ferida emocional,
marcando de tal modo o indivíduo, a ponto de comprometer
sua auto-estima, o cuidado e respeito para consigo.
O
fato de se tornar alguém cuja ferida emocional
esteja ainda aberta interfere diretamente nos
seus relacionamentos atuais e futuros. Na medida
em que alguém é agressivo baseado na sua falta
de recursos pessoais, acaba por gerar inúmeros
desconfortos nos ambientes que frequenta, em função
de explosões desproporcionais, de palavras ásperas
e colocações depreciativas.
Por
que afinal o fenômeno da violência nos assusta
tanto? Se, em nossa própria casa promovemos tensões
suficientes para gerar um clima de hostilidade?
Temos medo nas ruas, quando em casa: controlamos,
exigimos, odiamos, mal tratamos, negligenciamos
os filhos e o parceiro. Enfim o que ocorre nas
ruas poderá ser um reflexo daquilo que vem ocorrendo
no próprio seio familiar?
Muita
coisa num lar deixou de ser suprida e não estamos
falando de bens materiais. Um lar que seria o
local para a construção da matriz desta família
- favorecendo assim o desenvolvimento psicológico,
emocional e social de seus membros - deixou de
ser para muitos o ninho que deveria promover acolhimento,
aconchego, conforto, confiança e afeto.
É
muitas vezes neste padrão e modelo familiar que
o casal construiu suas bases, promovendo um padrão
de relacionamento baseado na ameaça, na desqualificação,
no ciúmes, na competição, na traição - enfim,
onde não há espaço para aceitar o/a parceiro(a)
como ele é. Esta intolerância torna-se também
uma dificuldade no entrosamento afetivo, pois
não respeita as diferenças individuais, rejeitando
e anulando o outro, estabelecendo um vínculo no
qual um dos parceiros se coloca como superior
e não um igual ao outro. Há uma certa conivência
da sociedade para que certos assuntos sejam tratados
como "roupa suja se lava em casa", e também crescemos
ouvindo que "em briga de marido e mulher ninguém
mete a colher" ou "eles que se entendam, não vou
tomar partido porque logo vão estar bem" ou ainda
"vai saber o que ela fez para ele a tratar assim".
Até quando isso é assunto doméstico e quando passa
a haver a necessidade de ajuda de um amigo, de
um parente, da polícia, do psicólogo? São assuntos
que se tornam tabus porque envergonham a vítima,
além do que muitas vezes o agressor é uma pessoa
bem quista socialmente e/ou afetivamente, e a
denúncia ou até mesmo dar um toque torna-se difícil.
No
momento de oferecermos apoio a alguma pessoa que
esteja sendo vítima da violência, é preciso de
algum modo calcular o nível de risco que ela corre.
É preciso olhar a situação de forma fria e distanciada
prevendo os possíveis abusos pelos quais ela poderá
ser submetida e ajudá-la. Se é alguém que se mostra
extremamente nervoso, é fundamental rebaixar o
nível de tensão, para evitar que alguma situação
mais séria venha a ocorrer. Longe de pensar que
não é nossa responsabilidade, é preciso intervir
de qualquer modo. Não é possível manter o segredo
quando uma família vive sob um mesmo teto que
a todo momento parece ruir. É como viver sob escombros
ou soterrado!
Agora
é o momento de não mais adiarmos olhar para a
nossa vida e constatar que nem sempre nos valorizamos
e a quem está ao nosso lado. Que nem sempre nos
tratamos bem e aos que nos cercam.
É
fundamental recuperarmos nossa auto-estima e dispensarmos
à nossa pessoa o cuidado, o respeito e o amor
necessários para nos livrar de certas torturas,
sofrimentos e para recuperarmos a liberdade que
nos é peculiar.
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