Edições Antigas >> Edição n° 9 >> Matérias >> Ciências - E a Família, Vai Bem?...

A existência da violência não é somente aquela praticada nas ruas, nos assaltos, em brigas e demais outras circunstâncias que, com certeza qualquer cidadão já viveu, seja como vítima ou até mesmo como mero espectador.

Vamos pensar a violência que ocorre do lado de dentro da janela, protegida por nossas paredes e pela cumplicidade existente entre os laços familiares.

A violência oprime, instiga o medo, promove o abandono, tortura psicologicamente, controla a liberdade do comportamento e da conduta. E tudo isso vem acontecendo dentro de casa. Daí a reflexão: E a família vai bem?

As pessoas que possuem convivência diária como é o caso em uma família parecem ser capazes de gerar um grau de tensão tal em função de conflitos, frustações e insatisfações particulares, que acabam por contaminar o grupo, promovendo gestos, atos e situações violentas.

Um vínculo conjugal a princípio se forma com um único propósito que é o de promover o crescimento das pessoas envolvidas. Quando um lar se torna uma espécie de fórum de julgamento é sinal de que algo nao vai bem. Quando pessoas são cobradas a se comportarem como se estivessem numa empresa, algo de inadequado há nisso. Algo está faltando e pessoas estão deixando de fazer o que deveria ser feito.

A violência entre uma casal também é algo que merece atenção haja visto casos que nós psicólogos e demais profissionais tomamos conhecimento, como tortura mental, psicológica, sexual, física, financeira e até mesmo da expressão de afetos de forma agressiva e deturpada, estabelecida entre parâmetros de poder e força, como se houvesse a necessidade da existência das figuras do superior e do inferior, do forte e do fraco.

Os registros internos de uma pessoa oriundos de uma convivência familiar agressiva, onde ela foi negligenciada e depreciada (sem os cuidados e atenção necessários) formam o que chamamos de uma ferida emocional, marcando de tal modo o indivíduo, a ponto de comprometer sua auto-estima, o cuidado e respeito para consigo.

O fato de se tornar alguém cuja ferida emocional esteja ainda aberta interfere diretamente nos seus relacionamentos atuais e futuros. Na medida em que alguém é agressivo baseado na sua falta de recursos pessoais, acaba por gerar inúmeros desconfortos nos ambientes que frequenta, em função de explosões desproporcionais, de palavras ásperas e colocações depreciativas.

Por que afinal o fenômeno da violência nos assusta tanto? Se, em nossa própria casa promovemos tensões suficientes para gerar um clima de hostilidade? Temos medo nas ruas, quando em casa: controlamos, exigimos, odiamos, mal tratamos, negligenciamos os filhos e o parceiro. Enfim o que ocorre nas ruas poderá ser um reflexo daquilo que vem ocorrendo no próprio seio familiar?

Muita coisa num lar deixou de ser suprida e não estamos falando de bens materiais. Um lar que seria o local para a construção da matriz desta família - favorecendo assim o desenvolvimento psicológico, emocional e social de seus membros - deixou de ser para muitos o ninho que deveria promover acolhimento, aconchego, conforto, confiança e afeto.

É muitas vezes neste padrão e modelo familiar que o casal construiu suas bases, promovendo um padrão de relacionamento baseado na ameaça, na desqualificação, no ciúmes, na competição, na traição - enfim, onde não há espaço para aceitar o/a parceiro(a) como ele é. Esta intolerância torna-se também uma dificuldade no entrosamento afetivo, pois não respeita as diferenças individuais, rejeitando e anulando o outro, estabelecendo um vínculo no qual um dos parceiros se coloca como superior e não um igual ao outro. Há uma certa conivência da sociedade para que certos assuntos sejam tratados como "roupa suja se lava em casa", e também crescemos ouvindo que "em briga de marido e mulher ninguém mete a colher" ou "eles que se entendam, não vou tomar partido porque logo vão estar bem" ou ainda "vai saber o que ela fez para ele a tratar assim". Até quando isso é assunto doméstico e quando passa a haver a necessidade de ajuda de um amigo, de um parente, da polícia, do psicólogo? São assuntos que se tornam tabus porque envergonham a vítima, além do que muitas vezes o agressor é uma pessoa bem quista socialmente e/ou afetivamente, e a denúncia ou até mesmo dar um toque torna-se difícil.

No momento de oferecermos apoio a alguma pessoa que esteja sendo vítima da violência, é preciso de algum modo calcular o nível de risco que ela corre. É preciso olhar a situação de forma fria e distanciada prevendo os possíveis abusos pelos quais ela poderá ser submetida e ajudá-la. Se é alguém que se mostra extremamente nervoso, é fundamental rebaixar o nível de tensão, para evitar que alguma situação mais séria venha a ocorrer. Longe de pensar que não é nossa responsabilidade, é preciso intervir de qualquer modo. Não é possível manter o segredo quando uma família vive sob um mesmo teto que a todo momento parece ruir. É como viver sob escombros ou soterrado!

Agora é o momento de não mais adiarmos olhar para a nossa vida e constatar que nem sempre nos valorizamos e a quem está ao nosso lado. Que nem sempre nos tratamos bem e aos que nos cercam.

É fundamental recuperarmos nossa auto-estima e dispensarmos à nossa pessoa o cuidado, o respeito e o amor necessários para nos livrar de certas torturas, sofrimentos e para recuperarmos a liberdade que nos é peculiar.

Luiza Ricotta - Psicóloga e Escritora
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