Edições Antigas >> Edição n° 4 >> O Passarinho

À luz da psicanálise e da psicologia os programas sensacionalistas, do tipo de auditório, encontram algumas explicações para o seu sucesso e grande audiência principalmente junto ao público de baixa renda, que infelizmente compõe a maioria Brasileira.

Quais são essas explicações?

Primeiro por que o sucesso é maior entre a população de baixa renda? Porque em geral devido a grande dificuldade enfrentada em todos os âmbitos, existe sempre presente a frustração; o modelo de sociedade capitalista faz com as pessoas persigam o status e o sucesso material e as faz acreditarem que somente os ricos são poderosos, seguros, felizes e bem sucedidos, causando nos mais humildes um permanente sentimento de inferioridade frente a sociedade.

Esses programas apresentam, via de regra, desgraças, situações que retratam o infortúnio alheio. Os que assistem, por comparação, sentem-se momentaneamente superiores, ou pelo menos sentem que seu dia a dia não é tão ruim assim, "isso não acontece só comigo afinal".

Em segundo lugar, esses programas mostram cenas de violência, ao verem essas cenas expostas, segundo a psicanálise, os expectadores através da fantasia e da projeção podem liberar seus impulsos violentos sem sentirem-se culpados em função da constante vigilância do superego, que nesta hora está de fora da situação, não é responsável pelo que acontece e portanto o ego se exime de culpa e o id se expressa livremente.

Em terceiro lugar as situações retratadas são motivo de integração das pessoas que também assistem aos mesmos programas, seus iguais. Todos estão a par do que acontece e tem assunto para conversar por semanas. Pelo interesse comum as pessoas congregam-se em grupos e sancionam seu conhecimento como lei, protegidas por participarem de conhecimentos e interesses comuns, com força para excluir qualquer um que não conheça o mesmo assunto, pense como elas ou aceite as mesmas regras.

Em quarto lugar esses programas, pela sua linguagem exacerbada, fanática, atraem por fugirem do ritmo morno da vida cotidiana. As pessoas querem algo que as excite, que mexa com as suas emoções, que as tire do marasmo e do "tudo igual" do dia a dia, não importando se são situações edificantes, construtivas as transmitidas, ou o triste, o degradante e desmoralizante.

Em quinto lugar esses programas se sustentam não somente através da audiência, mas por existirem pessoas dispostas a participar, compartilhando de sua miséria publicamente, com o risco de muitas vezes verem perdida sua dignidade e humilhando-se voluntariamente. Fazem isso porque por instantes deixam de ser "Joões Ninguém" para se entregarem a magia dos veículos de comunicação de massa que prometem a fama, o reconhecimento e a aparição frente a incontáveis pessoas de que agora se destacam, quando, no caso, não é absolutamente o que ocorre.

Poderia apontar muitas razões ainda para o grande ibope desses programas, ilusão de que estão sendo realmente informadas sobre o que importa na vida, distração e desvio do foco dos problemas próprios para problemas externos que não pedem por soluções do sujeito, sensação que sabendo o que pode acontecer não serão elas as enganadas numa próxima vez, etc., mas nada disso justifica o desconsolo que sinto. Mesmo sabendo como as coisas talvez funcionem é custoso conceber que muitos de nós ainda estejamos nesta fase da qual só seria possível a libertação com mais educação, condições básicas de existência, mudança de enfoque capitalista, igualdade social, trabalho de conscientização individual, visão crítica, e por aí vai.

Podemos culpar as autoridades ou a mídia em alguns desses pontos, e isso parece facilitar as coisas, mas outros pontos dependem só de cada um, e então quem vai ser o culpado?

Claudia Boacnin