Edições Antigas >> Edição n° 3 >> Matéria da Capa

Quem são as pessoas famosas e valorizadas hoje em dia? Aquelas que todos conhecem, que servem de exemplos, que são admiradas e copiadas? Em sua maioria são atores de TV ou de filmes, vocalistas de bandas e músicos, modelos de passarela e esportistas. E o que tem em comum as atividades que todas essas pessoas desempenham?

São atividades, profissões, que visam quase sempre entreter e divertir.

O que é um filme ou uma novela, por exemplo?

Em geral é um estereótipo da realidade, um produto cujo principal intuito na maioria das vezes é entreter.

Que sociedade é essa que se orgulha e produz ídolos quase sempre nos ramos da diversão e do entretenimento?

Será que não existem pessoas em outros ramos de atividade que mereçam a mesma glória e destaque nos meios de comunicação de massa (TV, Jornais, Rádio) quanto atores, músicos, esportistas e modelos?

Costuma-se encontrar em jornais suplementos que, algumas vezes, vêm com o subtítulo "cultura". É curioso que, ainda que tenham este subtítulo, grande parte de seus artigos tratem principalmente de diversão, shows, teatro, cinema, em suma: arte; raramente lemos boas matérias sobre escritores e sua produção literária, ou sobre o trabalho de pessoas que contribuem para o crescimento humano, ou matérias de jornalistas brasileiros que acrescentem, que auxiliem a visão crítica, que discutam moral, ética, educação; TVs e programas "culturais" são muito poucos, recentemente algumas rádios FM vêm apresentando alguns "spots" que evocam a "cultura" através da ética ou da solidariedade, mas tudo muito incipiente ainda. Isto me faz pensar no conceito que temos de "cultura".

Antropologicamente falando existem 2 conceitos de "cultura". A "cultura" com C maiúsculo que é sinônimo de Civilização e que engloba o modo de vida Cultural de um povo com sua forma de atribuir significados e sentidos ao real através da arte, da religião, do direito, da economia, da política, da língua, da educação, da moral, dos hábitos, etc. e a "cultura" com c minúsculo, que é a cultura do cotidiano, da informação, do saber o que está acontecendo no mundo, e da formação escolar (o que e quanto se estudou).

Parece que tendemos a usar ambos termos indiscriminadamente e pior, a reduzir a abrangência do primeiro conceito quando nele incluímos preponderantemente as manifestações da arte como principais representantes da Cultura.

Não percebemos imediatamente a correlação entre as pessoas que valorizamos e a Cultura, mas ela está presente em cada julgamento de valor que efetuamos, assim como a Filosofia está por trás de cada momento da História, com seus fatos, Ciência e Religião.

Toda pessoa e toda atividade humana tem seu valor, cada um contribui de uma maneira com o outro e com a sociedade. Todos, lavadores de carro, vendedores, místicos, varredores de rua, decoradores, pesquisadores, padres, artistas, donas de casa, pedreiros, publicitários, etc, etc.

Todos, sem exceção, são importantes e exercem uma função necessária e tem seu valor.

Portanto, não pretendo desvalorizar por um segundo sequer as pessoas cujas profissões servem ao entretenimento. O mundo pode ser duro e rir, se iludir, "viajar" sempre foi e é um ótimo remédio.

No entanto gostaria de plantar uma sementinha de reflexão, mudando por instantes a ótica que vê atores, modelos, músicos, esportistas, os mais dignos de ovações, aplausos, admiração: aqueles que deram certo.

Eleja o chapeiro da lanchonete seu modelo, porque ele faz o melhor hambúrguer que você já comeu! Ou sua mãe, porque ela é boa em tudo, desde a maneira como arruma a cama, até o carinho que te dá todos os dias, e os pedreiros, engenheiros e arquitetos, sem eles você não moraria!

Gostaria que refletíssemos a respeito do que é "cultura", no significado que emprestamos ao termo, ou que o jornal, rádio e TV utilizam, ou no sentido que muitas vezes empregamos sem pensar.

Não seria interessante enaltecermos e valorizarmos mais pessoas? Não nos enriqueceria entendermos e vivermos a "cultura" de uma forma mais abrangente?

Estas palavras podem parecer irrelevantes, mas pense que é por intermédio desses ícones (ídolos) que nós construímos a nossa auto estima, o nosso senso de valor próprio: a nossa idéia de termos dado certo no mundo ou não. É também a partir da noção que temos do que seja "cultura" que avaliamos se estamos em dia com a nossa, se podemos sustentar uma conversação, se somos cultos ou não, se temos condições de acrescentar algo no mundo. São esses mesmos parâmetros que em muitas ocasiões engolimos sem mastigar, sem reflexão ou crítica, àqueles que nos moldam pela vida afora. Por isso pensemos!