Edições Antigas >> Edição n° 6 >> Matérias >> Ciências - Clonagem: Realidade ou Ficção

A clonagem é a geração de um indivíduo geneticamente idêntico a uma matriz, a partir de uma célula somática dessa matriz.

Na década de 50 foram realizados os primeiros experimentos de clonagem de animais vertebrados através de transferência nuclear, aonde células de girino foram capazes de produzir sapos adultos. Já nos anos 80, tornou-se corriqueira a técnica de bipartição de embriões bovinos, gerando animais geneticamente idênticos. Essa prática teve grande aplicação no aumento da progenia de animais com características comercialmente interessantes.

Apesar de em 1996 ter sido relatado o nascimento de dois bezerros idênticos gerados através da transferência de núcleos de células embrionárias, o feito mais marcante na área de clonagem foi publicado em fevereiro de 1997: o nascimento de uma ovelha gerada a partir de uma célula de um indivíduo adulto, Dolly.

Desde então temos testemunhado um crescente desenvolvimento das técnicas e aplicações da clonagem animal. Logo em seguida ao anúncio da Dolly, um grupo americano relatou a clonagem de macacos a partir de células embrionárias. Em 1997 foi descrita Polly, outra ovelha clonada a partir de células adultas, e mais, contendo o gene para o fator de coagulação, ausente em hemofílicos, expresso em seu leite.

O ano de 1998 foi marcado por uma série de avanços na área de clonagem: em julho, um grupo americano descreve uma técnica alternativa de maior eficiência, 3%, que permite a clonagem de camundongos. Além disto, eles geram clones de clones; mais tarde no mesmo ano, um laboratório de reprodução humana propõe o uso de transferência do núcleo de óvulo como alternativa para mulheres inférteis. O material genético do óvulo materno é transferido para um óvulo receptor enucleado, fecundado pelo espermatozóide do pai, e implantado na mãe. O embrião resultante terá então material genético de 3 pessoas: a mãe, o pai, e a doadora do óvulo, na forma de suas mitocôndrias. No mês seguinte, outro grupo americano publica a primeira geração de células tronco embrionárias humanas, células tronco são células básicas primordiais, à partir das quais todos os tecidos e órgãos se desenvolvem. Fechando o ano, um grupo japonês descreve a clonagem de oito bezerros a partir de células de um indivíduo adulto, com uma variação das técnicas existentes que alcançou uma eficiência de 49%.

Permeando todas estas descobertas, está presente o medo da clonagem humana, o grande mito desta ciência. A clonagem de macacos em 1997 trouxe a técnica mais próxima à nossa espécie. Além disto, à medida que são desenvolvidas técnicas mais eficientes, volta à tona a questão de se clonar um ser humano. No entanto, apesar do sensacionalismo causado por um pseudo-cientista americano, é consenso na comunidade científica que o objetivo de todas estas pesquisas não é a geração de um indivíduo. Antes de enumerar as questões éticas e morais, é claro que este tipo de experimento não é seguro do ponto de vista científico. Não sabemos que tipos de danos se acumulam no DNA de uma célula somática, e assim não podemos prever o efeito destes em um ser humano gerado a partir deste tipo de célula.

Mas vamos aos fatos: a clonagem é de extremo interesse econômico. Ela pode gerar animais geneticamente idênticos, com características comercialmente valorizadas, como produção de leite e carne. Além disto, a combinação da clonagem com a transgenia permite a criação de animais como fábricas de proteínas farmacologicamente importantes, tais como a insulina para diabéticos e o fator de coagulação para hemofílicos.

Porém mais fascinante do que os milhões de dólares é o que podemos aprender em termos de biologia básica com os clones. Seu maior impacto é no estudo de desenvolvimento: para começar, eles nos mostraram que o núcleo adulto diferenciado pode ser completamente reprogramado. Além disto, o estudo dos clones nos permitirá, entre outros benefícios, inferir a importância da influência da genética versus a do meio ambiente; o papel das mitocôndias, diferentes nos clones idênticos quanto ao DNA nuclear; o estudo do envelhecimento e como este está refletido no DNA. Neste sentido, o desenvolvimento dos clones de camundongo terá grande impacto na pesquisa básica.

Finalmente, todo o conhecimento gerado pela pesquisa básica terá aplicações médicas revolucionárias: a reprogramação do núcleo somático poderá levar a regeneração de tecidos e órgãos. Para isso, será de grande importância o desenvolvimento das células tronco embrionárias humanas. Se pudermos controlar sua diferenciação, elas no futuro servirão de fonte de tecidos corporais, formando células prudutoras de insulina para diabéticos, tecido cerebral para indivíduos com Parkinson ou Alzheimer, e assim por diante.

Em conclusão, como toda ciência nova, a clonagem pode ter aplicações desastrosas ou maravilhosas. É com grande satisfação que acompanhamos o crescimento desta área no sentido do desenvolvimento de conhecimentos que trarão reais benefícios à Humanidade.

Dra. Lygia da Veiga Pereira
Fonte: Jornal do Conselho Regional de Biologia
CRBio -1- SP.MT.MS ano IV - nº 57 - julho/99